Agora mora na
parede uma lembrança de quando a vida era cinza e eu me transformei em cor.
Isso serve para que eu não me esqueça que a vida existe e que do cimento nasce
até uma flor. Meu pensamento-estrutura se inflama diante da bagunça, os espaços
que me habitam vivem para se transmutar e não há quem me defina, mas há quem
pare para me olhar.
Ontem era só
uma parede branca, hoje são meus olhos em cores, meu rosto em aquarela, um
filtro dos sonhos mal feito, Jesus nascendo de uma flor de lótus, o sol e a lua
pintados numa tela. É verdade que desconheço as técnicas, sou artista da
ilusão, aliás, nem artista eu sou (mas queria ser). Imagine a minha alegria ao
dizer: sou artista. Se for preciso fico nua e
ninguém verá o meu corpo, mas a alma de outra criatura. Sonhei com um livro que
poderia ser lançado, dancei em leves passos, fotografei palavras aos pedaços,
imaginei palcos que não pisei, olhei para personagens que criei. Prostituta
sorrindo na Rua da Areia, moça mansa, mulher astuta. A cara de menina e o olhar
de uma puta. Era uma vez, eu: diálogos do meu corpo.
Sou um rosto
pálido na multidão, sou alguém que transa com a arte de vez em quando e vive
apaixonada, coitada. Será que a arte me quer? Entre lúcidos devaneios busco dar
sentido à vida, elaborando mil alquimias, numa eterna transmutação. Deixo as
dúvidas por aí, eu quero é transar com a arte e parir uma criação.

