domingo, 10 de junho de 2018

Transmutar




Agora mora na parede uma lembrança de quando a vida era cinza e eu me transformei em cor. Isso serve para que eu não me esqueça que a vida existe e que do cimento nasce até uma flor. Meu pensamento-estrutura se inflama diante da bagunça, os espaços que me habitam vivem para se transmutar e não há quem me defina, mas há quem pare para me olhar.   
Ontem era só uma parede branca, hoje são meus olhos em cores, meu rosto em aquarela, um filtro dos sonhos mal feito, Jesus nascendo de uma flor de lótus, o sol e a lua pintados numa tela. É verdade que desconheço as técnicas, sou artista da ilusão, aliás, nem artista eu sou (mas queria ser). Imagine a minha alegria ao dizer: sou artista. Se for preciso fico nua e ninguém verá o meu corpo, mas a alma de outra criatura. Sonhei com um livro que poderia ser lançado, dancei em leves passos, fotografei palavras aos pedaços, imaginei palcos que não pisei, olhei para personagens que criei. Prostituta sorrindo na Rua da Areia, moça mansa, mulher astuta. A cara de menina e o olhar de uma puta. Era uma vez, eu: diálogos do meu corpo. 
Sou um rosto pálido na multidão, sou alguém que transa com a arte de vez em quando e vive apaixonada, coitada. Será que a arte me quer? Entre lúcidos devaneios busco dar sentido à vida, elaborando mil alquimias, numa eterna transmutação. Deixo as dúvidas por aí,  eu quero é transar com a arte e parir uma criação.
                                                                                               

Com raras exceções os minerais não têm cheiro

O que você vai escrever  não sabe porque não está escrito







sexta-feira, 1 de junho de 2018

Dança, morena


Vem morena, dança aqui comigo, só para mim. Desde que te vi passando naquele corredor não teve mais jeito. Junho chegou, quero o forró contigo, quero o teu vestido rodado e florido pelo salão. Deixe que eu te carregue em meus braços, te faça sentir ondas de calmaria, te faça fechar os olhos até que sinta teu corpo me apertar involuntariamente. Deixa-me encarar teus olhos e dizer através dos meus que estou aqui, somente para você, completamente besta e apaixonado.
Você querendo, te aperto com carinho, te beijo devagar, te levo para conhecer a cidade, beber uma cachaça num beco do centro. Levo você comigo para ver o mar e um céu de várias cores, levo você comigo para andar por entre as árvores de algum lugar bonito. Se você quiser, me levo contigo para conhecer meu mundo, cheio de jardins escondidos em igrejas. O mundo por onde orbitam teus olhos verdes, um mundo doido, doidinho por você.
Sorri para mim, sorri para todo mundo, sorri, porque o teu sorriso é lindo. Fala da tua vida que eu estou disposto a ouvir tudo: passado e presente, tudo seu me interessa. Mostra os teus gostos, as tuas fontes de arte, as fotos da tua viagem a marte. Você deixando, posso conhecer todo mundo que te rodeia, sem rodeios, sem frescuras. Apresenta teus amigos.
Dança, morena. Dança nos teus sonhos e depois me conta como foi. Avisa se o céu caiu na noite passada, avisa se você deu uma passada pela praia enquanto dormia. A tua aura clara é coisa de se admirar. Eu sei morena, tem mais gente te querendo, mas não tem problema, tô quieto, querendo te esperar.
Tira uma foto dos meus olhos, compartilha teu cansaço, sei que você tem estudado muito. Deixa tudo de lado por algumas horas que eu te faço uma massagem. Vem tomar um café, um chá, um banho, quem sabe. Mas, como te disse, não tenho pressa, junho começou agora. Dança, morena, ainda que somente em meus sonhos. O forró pode esperar.