Em algum lugar
do interior da Paraíba vivem Aurélia e Jesuíno. Um lugar na Borborema, mistura
de Cariri e Seridó. Paisagem ora seca, ora verde. Montes ao redor, céu azul
quase todo dia e uma imensidão de encher os olhos.
No lugar em
que vivem, as casas são próximas, formam quase uma vila. Esse lugar não é nem perto
nem longe da cidade. O interior já não tem o aspecto bucólico e tranquilo de
antes. Os jovens mantêm um certo brilho nos olhos, um brilho que só gente simples
e feliz tem, mas já conhecem as artimanhas do mundo através da internet e
perderam a inocência que seus pais tinham quando possuíam a mesma idade que eles.
Lugar em que
todo mundo se conhece. Tem bar, mercearia, luz, internet e telefone. A escola
fica um pouco mais longe, e a água também não é coisa muito fácil, mas eles
sempre dão um jeito e todo mundo vive tranquilo a seu modo. A violência ainda
não chegou ali, ainda bem.
Aurélia e
Jesuíno são simples e calados. Se olham desde quando floresceram para o amor,
mas nunca chegaram a ter coragem de abrir seus sentimentos. Ela anda com as
amigas, fofoca, sorri, e no mais é feliz. Só que dentro dela mora uma
complexidade enorme, difícil de ser explorada. A moça nunca dorme cedo, e desde
que fez 16 anos adquiriu o hábito de passar as madrugadas acordada escutando
alguma música. A janela do seu quarto está sempre acesa, mas, com uma certa
penumbra, porque para ela não existe nada mais confortável do que a luz de um
abajur. Pele morena, cabelos grandes, olhos grandes e uma cabeça pensante.
Quase romântica e quase racional. Ela quer amar e o amor lhe devora nas
madrugadas, quando a sua cabeça lembra de Jesuíno. Estudam juntos, e ela gasta
as manhãs flutuando entre as aulas e os olhares para ele.
Jesuíno é
alto, moreno e tem os cabelos cacheados. É espontâneo, sorridente, mas é
leonino e sabe ser silencioso. Não deixa Aurélia perceber os seus olhares. E
dentro dele ferve uma paixão por ela. Ele que já esteve com outras meninas, não
a imagina de maneiras vulgares, e sem saber, está a um passo do abismo do amor.
Ele é tão complexo quanto a moça por quem é apaixonado. Lê muito, e tantos
assuntos variados o interessam, que ele passa horas do seu dia perdido em
leituras. Filosofia, Fernando Pessoa, política
e o que mais aparecer. Os dois são figuras distintas no lugar em que vivem. A
maioria dos amigos dos dois tem a cabeça nas nuvens ou em trivialidades.
Ambos moram em
casas próximas e as suas famílias se conhecem desde sempre. Perto do quarto de
Aurélia existe uma árvore e menina gosta de passar horas olhando para ela. Um
dia, a insônia chegou em Jesuíno, e ele quis sair pelas ruas desertas do
vilarejo. Estava triste, cheio de indagações e gostava de se arriscar, e nesse
passeio percebeu a janela do quarto de Aurélia com uma certa luz. Aproximou-se
da janela com cuidado, e percebeu a menina deitada na cama e pôde escutar um
som baixinho. O coração dele acelerou...



