domingo, 17 de janeiro de 2016

Uma Janela para Aurélia


Em algum lugar do interior da Paraíba vivem Aurélia e Jesuíno. Um lugar na Borborema, mistura de Cariri e Seridó. Paisagem ora seca, ora verde. Montes ao redor, céu azul quase todo dia e uma imensidão de encher os olhos.
No lugar em que vivem, as casas são próximas, formam quase uma vila. Esse lugar não é nem perto nem longe da cidade. O interior já não tem o aspecto bucólico e tranquilo de antes. Os jovens mantêm um certo brilho nos olhos, um brilho que só gente simples e feliz tem, mas já conhecem as artimanhas do mundo através da internet e perderam a inocência que seus pais tinham quando possuíam a mesma idade que eles.
Lugar em que todo mundo se conhece. Tem bar, mercearia, luz, internet e telefone. A escola fica um pouco mais longe, e a água também não é coisa muito fácil, mas eles sempre dão um jeito e todo mundo vive tranquilo a seu modo. A violência ainda não chegou ali, ainda bem.
Aurélia e Jesuíno são simples e calados. Se olham desde quando floresceram para o amor, mas nunca chegaram a ter coragem de abrir seus sentimentos. Ela anda com as amigas, fofoca, sorri, e no mais é feliz. Só que dentro dela mora uma complexidade enorme, difícil de ser explorada. A moça nunca dorme cedo, e desde que fez 16 anos adquiriu o hábito de passar as madrugadas acordada escutando alguma música. A janela do seu quarto está sempre acesa, mas, com uma certa penumbra, porque para ela não existe nada mais confortável do que a luz de um abajur. Pele morena, cabelos grandes, olhos grandes e uma cabeça pensante. Quase romântica e quase racional. Ela quer amar e o amor lhe devora nas madrugadas, quando a sua cabeça lembra de Jesuíno. Estudam juntos, e ela gasta as manhãs flutuando entre as aulas e os olhares para ele.
Jesuíno é alto, moreno e tem os cabelos cacheados. É espontâneo, sorridente, mas é leonino e sabe ser silencioso. Não deixa Aurélia perceber os seus olhares. E dentro dele ferve uma paixão por ela. Ele que já esteve com outras meninas, não a imagina de maneiras vulgares, e sem saber, está a um passo do abismo do amor. Ele é tão complexo quanto a moça por quem é apaixonado. Lê muito, e tantos assuntos variados o interessam, que ele passa horas do seu dia perdido em leituras. Filosofia, Fernando Pessoa,  política e o que mais aparecer. Os dois são figuras distintas no lugar em que vivem. A maioria dos amigos dos dois tem a cabeça nas nuvens ou em trivialidades.
Ambos moram em casas próximas e as suas famílias se conhecem desde sempre. Perto do quarto de Aurélia existe uma árvore e menina gosta de passar horas olhando para ela. Um dia, a insônia chegou em Jesuíno, e ele quis sair pelas ruas desertas do vilarejo. Estava triste, cheio de indagações e gostava de se arriscar, e nesse passeio percebeu a janela do quarto de Aurélia com uma certa luz. Aproximou-se da janela com cuidado, e percebeu a menina deitada na cama e pôde escutar um som baixinho. O coração dele acelerou...

Uma Janela para Aurélia - II


Por outro lado, Aurélia percebeu uma presença perto dela. É que na vida real, sempre é possível sentir quando alguém se aproxima. Talvez o calor, a energia, enfim. Se tem alguém perto, sempre é possível saber. E ela deitou-se na cama. E pensou: E agora, meu Deus, e agora? Preciso fechar essa janela. E como quem nada queria, sem fazer alarde, para não assustar a assombração, ou o que quer que fosse, ela levantou devagar, e fechou a janela com cuidado. Como tinha medo, não queria olhar se tinha alguém embaixo. Mas, depois de fechada a janela, atreveu-se a olhar pela a brecha, e viu a imagem de Jesuíno olhando para o céu, sentado embaixo de sua árvore preferida. Seu coração acelerou, e, para não espantar o rapaz, manteve a luz acesa e tudo como antes. Agora ela o observava e pensava: "Que danado esse menino faz aqui essa hora? Ele tá é doido". Num misto de medo e curiosidade, desejou que isso se repetisse todas as noites...
O rapaz por sua vez, não tinha certeza se ela tinha percebido ou não, mas também não quis fazer alarde ou assustá-la. “Ela pensaria que sou um louco!”. E sentou-se embaixo da árvore. No fundo, queria era estar dentro daquele quarto, compartilhando a insônia com Aurélia. E assim, ao longo dos dias, ele resolveu aproximar-se dela como quem não quer nada, pois, sentia-se arrependido por sua curiosidade. “Imagine o que ela pensaria de mim se soubesse o que fiz? Se ao menos nos tornássemos próximos...”, e ela, também quis aproximar-se. Quem sabe assim entenderia o motivo daquela presença noturna. 
       No dia seguinte o jovem ofereceu-lhe um bombom e tentou conversar sobre música. Coisa rápida, mas para os dois, aquilo já era suficiente para plantar dúvidas e curiosidades. Uma nova madrugada, e a curiosidade chegou nele: “Será que ela está acordada outra vez?”. E mais uma vez foi até ela, e ela, esperta, sentiu a presença dele. Conseguiu vê-lo por uma brecha. E então, apesar da confusão dentro de si, ela soube do amor. Quem era a caça? Quem caçava?
        De dia a amizade crescia, e de noite, Jesuíno procurava aquela janela, e a moça da janela ansiava por ele. Até que Aurélia lhe disse: - Jesuíno, eu sei que você fica em minha janela. Pare com isto, estou cansada.- O rapaz ficou pálido, sentiu o coração parar, e respondeu: -Você, você.... Por favor! Não é por mal! Desculpe! Eu não... não sei o que dizer-. -Apois não diga. Quero entender o que acontece. Eu amo você e quero você em meu quarto, e não apenas em minha janela.- E os dois conversaram muito até entenderem o que de fato acontecia durante as visitas de Jesuíno e o que fez essa história se desenrolar.
       De noite Jesuíno voltou à janela, mas, dessa vez Aurélia estava lá, olhando para a rua, à sua espera. E ele pulou a janela e estava no quarto da moça. A música ainda estava lá e pela primeira vez os dois se beijaram. O hábito de se verem continuou, e, com isso a paixão crescia. E os dois iam devagar e juntos. Era a primeira vez que amavam. Ela ainda era virgem e ele já conhecia o corpo de outras moças, mas, mesmo assim, o amor era uma novidade no coração desse rapaz. Um dia, Aurélia tirou a blusa e o sutiã, e Jesuíno, assustado e bobo, disse-lhe: Aurélia, eu sei que você nunca esteve com um homem, vamos fazer isso devagar, porque eu quero que você se acostume com um corpo masculino.- E ele ficou admirado com os seios dela. Seios perfeitos, dois semicírculos, nunca vira um par tão lindo. Para ele eram como duas luas no corpo da mulher que amava.
         Até que resolveram admitir o namoro para todo mundo. Agora ele pode entrar pela porta, mas a folia das madrugadas se perdeu. E, segundo as regras dos pais dela, ele não pode dormir lá, então, não têm mais as noites juntos. Só que de vez em quando, a saudade do começo do namoro aperta e eles combinam quando ele irá pular a janela só pela alegria de se verem quando o mundo dorme. Quando casarem, e tiverem filhos, a janela continuará ali, no coração deles. E quando dividirem o mesmo quarto, e não for preciso pular mais nada, a madrugada ainda pertencerá aos dois.


Nos braços de uma morena
Quase morro um belo dia
Ainda me lembro o meu cenário de amor
Um lampião aceso, um guarda-roupa escancarado
Um vestidinho amassado embaixo de um batom
Um copo de cerveja, uma viola na parede
E uma rede convidando a balançar
No cantinho da cama um rádio a meio volume
Cheiro de amor e de perfume pelo ar
[...]
Que tentação
Minha morena me beijando
Feito abelha
E a lua malandrinha
Pela brechinha da telha
Fotografando o meu cenário
De amor

Petrúcio Amorim. Meu cenário 



                

sábado, 16 de janeiro de 2016

Uma noite sem você


Uma estrela brilha na brecha da noite
Clareando o calabouço da minh' alma
No escuro e sem você eu perco a calma
Hora amarga que me encharca em seu açoite
A paixão me esquartejando com sua foice
E a garganta vomitando um grito rouco
Chamei tanto que eu quase fico louco
Quis mostrar um pouco do meu sentimento
Que uma noite sem você é muito tempo
E uma vida com você é muito pouco.
A saudade incendiando a madrugada
No silêncio queima a chama da alegria
Inda lembro de você naquele dia
Me beijando, me dizendo que me amava
Te amei tanto que eu não imaginava
Que sozinho ficaria triste e oco
Quando o mundo me chamava eu tava mouco 
Galopando no vagão do pensamento
Que uma noite sem você é muito tempo
E uma vida com você é muito pouco.

- João Linhares


-Rita Benneditto

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Noite Severina


Corre calma, severina noite
De leve no lençol que te tateia a pele fina
Pedras sonhando pó na mina
Pedras sonhando com britadeiras
Cada ser tem sonhos à sua maneira
Cada ser tem sonhos à sua maneira
Corre alta, severina noite
No ronco da cidade, uma janela assim acesa
Eu respiro o teu desejo
Chama no pavio da lamparina
Sombra no lençol que te tateia a pele fina
Sombra no lençol que te tateia a pele fina
Ali, tão sempre perto, e não me vendo
Ali sinto tua alma a flutuar do corpo
Teus olhos se movendo, sem se abrir
Ali, tão certo e justo e só ti sendo
Absinto-me de ti, mas sempre vivo
Meus olhos te movendo sem te abrir
Corre solta suassuna noite
Tocaia de animal que acompanha a sua presa
Escravo da sua beleza
Daqui a pouco o dia vai querer raiar
Daqui a pouco o dia vai querer raiar...

-Noite Severina. Lula Queiroga