domingo, 17 de janeiro de 2016

Uma Janela para Aurélia - II


Por outro lado, Aurélia percebeu uma presença perto dela. É que na vida real, sempre é possível sentir quando alguém se aproxima. Talvez o calor, a energia, enfim. Se tem alguém perto, sempre é possível saber. E ela deitou-se na cama. E pensou: E agora, meu Deus, e agora? Preciso fechar essa janela. E como quem nada queria, sem fazer alarde, para não assustar a assombração, ou o que quer que fosse, ela levantou devagar, e fechou a janela com cuidado. Como tinha medo, não queria olhar se tinha alguém embaixo. Mas, depois de fechada a janela, atreveu-se a olhar pela a brecha, e viu a imagem de Jesuíno olhando para o céu, sentado embaixo de sua árvore preferida. Seu coração acelerou, e, para não espantar o rapaz, manteve a luz acesa e tudo como antes. Agora ela o observava e pensava: "Que danado esse menino faz aqui essa hora? Ele tá é doido". Num misto de medo e curiosidade, desejou que isso se repetisse todas as noites...
O rapaz por sua vez, não tinha certeza se ela tinha percebido ou não, mas também não quis fazer alarde ou assustá-la. “Ela pensaria que sou um louco!”. E sentou-se embaixo da árvore. No fundo, queria era estar dentro daquele quarto, compartilhando a insônia com Aurélia. E assim, ao longo dos dias, ele resolveu aproximar-se dela como quem não quer nada, pois, sentia-se arrependido por sua curiosidade. “Imagine o que ela pensaria de mim se soubesse o que fiz? Se ao menos nos tornássemos próximos...”, e ela, também quis aproximar-se. Quem sabe assim entenderia o motivo daquela presença noturna. 
       No dia seguinte o jovem ofereceu-lhe um bombom e tentou conversar sobre música. Coisa rápida, mas para os dois, aquilo já era suficiente para plantar dúvidas e curiosidades. Uma nova madrugada, e a curiosidade chegou nele: “Será que ela está acordada outra vez?”. E mais uma vez foi até ela, e ela, esperta, sentiu a presença dele. Conseguiu vê-lo por uma brecha. E então, apesar da confusão dentro de si, ela soube do amor. Quem era a caça? Quem caçava?
        De dia a amizade crescia, e de noite, Jesuíno procurava aquela janela, e a moça da janela ansiava por ele. Até que Aurélia lhe disse: - Jesuíno, eu sei que você fica em minha janela. Pare com isto, estou cansada.- O rapaz ficou pálido, sentiu o coração parar, e respondeu: -Você, você.... Por favor! Não é por mal! Desculpe! Eu não... não sei o que dizer-. -Apois não diga. Quero entender o que acontece. Eu amo você e quero você em meu quarto, e não apenas em minha janela.- E os dois conversaram muito até entenderem o que de fato acontecia durante as visitas de Jesuíno e o que fez essa história se desenrolar.
       De noite Jesuíno voltou à janela, mas, dessa vez Aurélia estava lá, olhando para a rua, à sua espera. E ele pulou a janela e estava no quarto da moça. A música ainda estava lá e pela primeira vez os dois se beijaram. O hábito de se verem continuou, e, com isso a paixão crescia. E os dois iam devagar e juntos. Era a primeira vez que amavam. Ela ainda era virgem e ele já conhecia o corpo de outras moças, mas, mesmo assim, o amor era uma novidade no coração desse rapaz. Um dia, Aurélia tirou a blusa e o sutiã, e Jesuíno, assustado e bobo, disse-lhe: Aurélia, eu sei que você nunca esteve com um homem, vamos fazer isso devagar, porque eu quero que você se acostume com um corpo masculino.- E ele ficou admirado com os seios dela. Seios perfeitos, dois semicírculos, nunca vira um par tão lindo. Para ele eram como duas luas no corpo da mulher que amava.
         Até que resolveram admitir o namoro para todo mundo. Agora ele pode entrar pela porta, mas a folia das madrugadas se perdeu. E, segundo as regras dos pais dela, ele não pode dormir lá, então, não têm mais as noites juntos. Só que de vez em quando, a saudade do começo do namoro aperta e eles combinam quando ele irá pular a janela só pela alegria de se verem quando o mundo dorme. Quando casarem, e tiverem filhos, a janela continuará ali, no coração deles. E quando dividirem o mesmo quarto, e não for preciso pular mais nada, a madrugada ainda pertencerá aos dois.


Nos braços de uma morena
Quase morro um belo dia
Ainda me lembro o meu cenário de amor
Um lampião aceso, um guarda-roupa escancarado
Um vestidinho amassado embaixo de um batom
Um copo de cerveja, uma viola na parede
E uma rede convidando a balançar
No cantinho da cama um rádio a meio volume
Cheiro de amor e de perfume pelo ar
[...]
Que tentação
Minha morena me beijando
Feito abelha
E a lua malandrinha
Pela brechinha da telha
Fotografando o meu cenário
De amor

Petrúcio Amorim. Meu cenário