sexta-feira, 2 de setembro de 2016

A minha escola



Vivi na escola sonhando em ensinar. Gostava de me imaginar ali, no lugar dos professores. Desisti de cursar Direito, me guiei por um sonho: estudar Letras. Como todas as minhas escolhas na vida, decidi estudar algo novo pra mim e antigo para o mundo: Grego e Latim. De vez em quando eu me arrependo, arranco meus cabelos, choro, enlouqueço. Mas aí eu me lembro: eu escolhi isso.
Os meus passos me levaram de volta à escola. O curso me possibilitou ensinar aquilo que mais amo: Gramática. Gramática pura, cheia de estruturas, nomes e detalhes. A cada dia me reinvento no caminho para ensinar do melhor jeito. Mas, sabe, eu comecei agora, sou “só” uma estagiária. Os alunos me olham de cima a baixo, os funcionários pensam que eu sou aluna e os professores nem me cumprimentam. Meu rosto ainda de menina é um problema. Aqueles que supervisionam meu trabalho não cansam de dizer: você é inexperiente.
E daí? Compro meus livros, coisas de Letras e de Educação. No fundo eu amo isso. Saio de casa cansada, pensando nas coisas do meu curso, mas feliz porque vou pisar numa escola. Meu primeiro emprego tem sido numa escola em que eu estudei, que loucura é vivenciar o outro lado.
Passo e vejo uma criança fantasiada de pirata, olho para o lado e uma menininha anda se arrastando pela parede. Crianças gritam pela escola e as professoras também. Os alunos do ensino médio dizem: “você é muito nova para estar aqui”, os do nono me observam passar pelos corredores, os do sétimo ano testam a minha autoridade. Sabem que não sou professora ainda, são espertos.
Com os meus alunos é diferente. Para eles eu sou a professora do reforço, e aí, sim, eles entram na linha. Mas isso de entrar na linha é só para dizer que nessas horas eles entendem que ali eu sou a professora. No final das contas é tudo uma parceria. Nós rimos, conversamos, procuro saber se eles estão bem. As notas sobem de vez em quando, e às vezes caem... Mas eu vejo uma melhora neles. Faço isso com amor.
Cumprimento os outros funcionários e eles dizem: “oi tia”. Eu penso: “oi tia? Tem outra professora aqui?” Juro que demoro a perceber que isso tudo é comigo. Ouço um aluno levar um carão, mas veja, ontem à noite foi a minha vez de levar um carão na universidade. As crianças chamam pela tia da biblioteca e sujam os corredores na hora do recreio. As criancinhas do maternal brincam e alguma delas se machuca, vejo uma professora carinhosa secando as lágrimas dessa menininha que se machucou.
Eu quis dar aula para um menino pequeno. Ele afastou as minhas mãos, não quis meus conselhos, irritou-se comigo. Ai, desculpe, professor não pode demonstrar fragilidade. E como eu não faço isso? O que eu faço com essas crianças? Meu Deus, elas vão derrubar a biblioteca. Uma professora pede respeito e recebe uma resposta desaforada. Eu olho tudo sem saber o que fazer. Hoje tem apresentação de teatro! Os meninos ficam em polvorosa, riem do namorado da atriz principal, são uns bobinhos. Ai, escola.
Eu estudo para isso? Cansa, e como cansa. Estou cansada e mal começou. Peço conselhos, observo, respiro o ambiente. Eu vivi o outro lado de um jeito intenso. Briguei, chorei, dancei, participei de jogos, fui líder nas feiras de ciências, já tirei zero e já tirei muito dez. Era dedicada e sem saber já amava a escola. Estudava querendo ensinar. Agora que já não sou aluna, eu digo: assusta. Eu mal sei me impor, que loucura é essa? Queria saber do meu futuro, queria saber aonde os meus passos vão me levar. Eu que amo essa loucura toda, vou suportá-la? Eis a escola do meu coração: eu estudei para voltar até ela.