Vivi na escola sonhando em ensinar. Gostava de me imaginar ali, no lugar dos professores. Desisti de cursar Direito, me guiei por um sonho: estudar Letras. Como todas as minhas escolhas na vida, decidi estudar algo novo pra mim e antigo para o mundo: Grego e Latim. De vez em quando eu me arrependo, arranco meus cabelos, choro, enlouqueço. Mas aí eu me lembro: eu escolhi isso.
Os meus passos
me levaram de volta à escola. O curso me possibilitou ensinar aquilo que mais
amo: Gramática. Gramática pura, cheia de estruturas, nomes e detalhes. A cada
dia me reinvento no caminho para ensinar do melhor jeito. Mas, sabe, eu comecei
agora, sou “só” uma estagiária. Os alunos me olham de cima a baixo, os
funcionários pensam que eu sou aluna e os professores nem me cumprimentam. Meu
rosto ainda de menina é um problema. Aqueles que supervisionam meu trabalho não
cansam de dizer: você é inexperiente.
E daí? Compro
meus livros, coisas de Letras e de Educação. No fundo eu amo isso. Saio de casa
cansada, pensando nas coisas do meu curso, mas feliz porque vou pisar numa
escola. Meu primeiro emprego tem sido numa escola em que eu estudei, que
loucura é vivenciar o outro lado.
Passo e vejo
uma criança fantasiada de pirata, olho para o lado e uma menininha anda se
arrastando pela parede. Crianças gritam pela escola e as professoras também. Os
alunos do ensino médio dizem: “você é muito nova para estar aqui”, os do nono
me observam passar pelos corredores, os do sétimo ano testam a minha
autoridade. Sabem que não sou professora ainda, são espertos.
Com os meus
alunos é diferente. Para eles eu sou a professora do reforço, e aí, sim, eles
entram na linha. Mas isso de entrar na linha é só para dizer que nessas horas
eles entendem que ali eu sou a professora. No final das contas é tudo uma
parceria. Nós rimos, conversamos, procuro saber se eles estão bem. As notas
sobem de vez em quando, e às vezes caem... Mas eu vejo uma melhora neles. Faço
isso com amor.
Cumprimento os
outros funcionários e eles dizem: “oi tia”. Eu penso: “oi tia? Tem outra professora
aqui?” Juro que demoro a perceber que isso tudo é comigo. Ouço um aluno levar
um carão, mas veja, ontem à noite foi a minha vez de levar um carão na
universidade. As crianças chamam pela tia da biblioteca e sujam os corredores
na hora do recreio. As criancinhas do maternal brincam e alguma delas se
machuca, vejo uma professora carinhosa secando as lágrimas dessa menininha que
se machucou.
Eu quis dar
aula para um menino pequeno. Ele afastou as minhas mãos, não quis meus
conselhos, irritou-se comigo. Ai, desculpe, professor não pode demonstrar
fragilidade. E como eu não faço isso? O que eu faço com essas crianças? Meu
Deus, elas vão derrubar a biblioteca. Uma professora pede respeito e recebe uma
resposta desaforada. Eu olho tudo sem saber o que fazer. Hoje tem apresentação
de teatro! Os meninos ficam em polvorosa, riem do namorado da atriz principal,
são uns bobinhos. Ai, escola.
Eu estudo para
isso? Cansa, e como cansa. Estou cansada e mal começou. Peço conselhos,
observo, respiro o ambiente. Eu vivi o outro lado de um jeito intenso. Briguei,
chorei, dancei, participei de jogos, fui líder nas feiras de ciências, já tirei
zero e já tirei muito dez. Era dedicada e sem saber já amava a escola. Estudava
querendo ensinar. Agora que já não sou aluna, eu digo: assusta. Eu mal sei me
impor, que loucura é essa? Queria saber
do meu futuro, queria saber aonde os meus passos vão me levar. Eu que amo essa
loucura toda, vou suportá-la? Eis a escola do meu coração: eu estudei para
voltar até ela.
