domingo, 15 de julho de 2018

Detesto bagunça




Detesto bagunça, puta que pariu. Essa água suja na pia, essa água parada nas panelas ainda com comida dentro, coisa que faz a festa das baratas. Detesto esse amontoado de móveis que não me deixa deitar na rede e ainda enche o meu corpo de hematomas. A parede verde cheia de manchas, essas revistas antigas que estão cheias de lições imbecis e misóginas. Puta que pariu. Esse ar fica claustrofóbico quando paro para reparar nele.
Seiri, seiton, seiketsu, seiso e shitusuke. Essa merda serve de quê? Aqui serve de nada. É impossível dar um passo, olhar para as coisas jogadas. Lençóis com urina de gato, toalhas usadas, quinquilharias sem sentido. Um apego inútil. Livros, quantos livros! Livros repetidos, apostilas, letras burras, estúpidas. Vai trabalhar para arranjar dinheiro. Se muda, então. Tá achando ruim vai embora. Pois é, cadê a tua gratidão? Olha bem, tem um teto em cima da tua cabeça, isso é melhor que as telhas que abrigam ratos e pingos de chuva, lembra? Isso é melhor que a rua, é melhor que o cárcere. Agradece, ingrato.
Acendo um cigarro, sorrio da minha própria miséria, como sou pequeno, vazio, inútil, fraco. Mesmo assim detesto bagunça, essa coisa não me deixa pensar direito, não deixam a vida fluir. Esse monte de roupa velha cairia bem em quem não tem nada para vestir. Para que tantos lençóis. Imagina um terremoto, um incêndio, uma guerra e aí perder tudo. Um trauma imenso e eu aqui reclamando da vida. Por outro lado, existem os acumuladores e esses são doentes. Estou falando de extremos, péssimo. Já eu sou um merda, estou reclamando de graça, pelo visto é melhor viver na bagunça mesmo.
Pera aí, uma coisa nada tem a ver com outra, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Quem foi o imbecil que inventou essa merda dessa frase? O que não tem nada a ver é essa frase. Melhor dizer: o que tem a ver o cu com as calças? Estou tentando encontrar um sentido para não reclamar, mas minha sensação é legítima. Desde pequeno odeio bagunça, odeio ambientes escuros, coisas muito fora de lugar. É uma coisa minha, um negócio meu e foda-se, eu só funciono com a organização. De doido e bagunçado basta eu.
Tenho acordado às três da tarde, não produzo nada, bebo, tenho gastrite, um incômodo miserável na boca do estômago. Quanto mais me afundo na minha preguiça e mesquinhez, mais fico puto com a bagunça da casa. Fico puto em não poder fazer nada, fico puto comigo. Ando com calção, mal tomo banho, me alimento em horários irregulares, acumulo tarefas, procrastino.
Talvez aquele chá me faça abraçar a geladeira. Uma dose de amor que me faça ver o mundo rosa, acordar cedo, botar a roda da vida para girar. Uma leitura branda que me ajude a escrever coisas mais leves, que me faça esquecer o velho Buk. Velho, genial, escatológico, tarado, abusivo. Queria ver as moças assistindo aos impropérios que ele falava à última esposa, Linda.  Absorvi um pouco dele porque já tenho em mim essa coisa ranzinza, essa alma velha, esse tom arrogante e de deboche para com as pessoas.
Preciso sair disso, preciso sair dessa bolha. Quando criança, as casas de familiares serviam, era meu jeito de fugir da bagunça. Agora são eles que me expulsam e estão certos, o mundo tá aí fora, chamando e eu aqui. Parece que para falar umas coisas pesadas só serve a imagem de homem. Que desgraça uma mulher largada, com pelos nas axilas, três dias sem banho. Suja! porca! Bradam os seres humanos mais limpos do planeta, aquelas que não carregam fezes no intestino. Uma vez li que Mussolini não queria aceitar que de fato era humano e carregava fezes dentro de si.
Eu, que detesto bagunça, sou um caos em corpo, preciso de uma oração. Para piorar as coisas, tem ainda a bagunça que ela deixou. Ela que se misturou ao meu sangue, que passeia nas minhas veias. Ela, para quem eu disse ‘eu te amo’ e depois pensei que não amava, e depois não quis mais dizer nada. Ela que não me ama, mas me enlouquece, me faz de besta, que brinca com meu coração. Ela que viaja e faz sabe-se lá deus o quê, e eu peno, estúpido, louco para viajar também, esquecer dela e arrumar o que fazer. Ela é bagunceira, mas produz e ganha dinheiro. Ela é mais inteligente que eu e tá nem aí para nada, nem para mim.
A vida de ninguém é organizada. Talvez, nos esconderijos de casas lambidas e brilhantes exista alguém com transtorno de ansiedade. Sofrimento. Eu sou ansioso, talvez seja por isso que deteste bagunça ou talvez seja só porque nasci assim. Fazer o quê? Já tentei explicar essa coisa para um monte de gente, mas quem entende esse meu pensamento estruturado que só funciona com as coisas em ordem? Que jeito de viver. Acendo alguns cigarros, estou predestinado a varar a madrugada acompanhado de uma garrafa de cachaça. Sou um beat que bebe em casa, não viaja e detesta bagunça. Péssimo.