Um, dois,
três, seis segundos, quem sabe, até as partículas chegarem ao cérebro e
mandarem a mensagem. É a pessoa que está aqui. A pessoa inteira, de corpo, alma
e cheiro. A presença completa que invade as cavidades entre os olhos e a boca
para avisar da existência de outro indivíduo. Eu sei sobre as digitais,
pesquiso sobre a íris, ouvi falar sobre a disposição das veias no braço, acredito
na singularidade da palma da mão, mas, me encanta mesmo a coisa química e única do cheiro. Todo esse fascínio faz com que eu
lembre que sou apenas um animal no mundo, cheio de instintos e necessidades
primárias, assim como qualquer outro ser vivo. Não me vejo tão diferente das
bactérias e nem dos macacos, quando somos todos partículas e profundezas.
Não me
desapego da memória de perfumes, lembro de nomes e marcas, mas gosto mesmo dos
bons cheiros esquecidos, como o cheiro do joelho, o cheiro do pé em dias
suportáveis ou o cheiro do pescoço que vem de quem eu amo. Ao mesmo tempo, desconheço
o meu cheiro, não sei como é a memória olfativa que se pode ter de mim. Desejo alguém
que vicie caso cheire meu pescoço, porque esse vício eu conheço. Ouvia
canções de saudade sobre o cheiro deixado dentro de um livro ou em um lençol,
mas me contentava em não sentir, não viciar, não querer beijar toda a extensão
da geografia alheia. Podia me imaginar em abstinência, estremecendo, caso
sentisse, ao andar na rua, qualquer partícula de oxigênio adulterada que
lembrasse a causa da minha embriaguez.
O cheiro de
alguém virou a minha casa, de modo que basta a presença a poucos metros de mim
para que eu sinta: esta pessoa realmente está aqui. Chego perto, e, ao sentir, penso: isso está
dentro de mim. Imagino as partículas entrando, caminhando pela minha cabeça,
dançando, carregando outro ser humano para meu corpo, alimentando o vício,
preenchendo minha memória de sorrisos, detalhes, instinto e torpor. Bebo o
suor, como se não tivesse juízo e horas depois ainda posso perceber o cheiro em
meu lençol, no travesseiro e em meu próprio corpo.
Existem
milhões de casas, mas nenhuma é a casa formada com partículas específicas que
anseiam pelo mar, pelos sons e pelo silêncio. A alquimia do DNA alheio
construiu pontes entre minhas narinas e meu coração. O que quer que aconteça
com a minha morada do cheiro, ainda terei memórias etéreas e inacessíveis. Assim, deixo as partículas fluírem calmamente
por rotas e veias.
