terça-feira, 31 de dezembro de 2024

Queres me conhecer?





Queres me conhecer?
Sou transparente, repetitiva e angustiada. Risquei o quadro de outra vida, feiticeira no cariri. Longe dos livros, sou farsa, porque nada me resta de bom a dizer. Nada que abale a sua leitura, entende? Ainda assim, é como se não existisse outro mundo além daqui, deste corpo que agora conheço. 
Eu faço bulas e guias do meu aspecto físico e psicológico, não tem mistério. A mulher de olhos verdes, vestido vermelho e anel turquesa ao mar em noite de lua cheia, pronto. Eu só sei ser isso. Fora da folha até inventam outras narrativas. Deixe-me apagar as memórias de ontem, os meus absurdos e insistências. Deixe-me ser quantas eu precisar.
Eu tenho vergonha e por isso me apaguei e mudei os cabelos. Escuto mais, vejo mais, guardo mais de tudo. Sons e informações. Foi-se o tempo de perguntar e não achar, porque não é perguntando que se acha. Se encontra vendo e para ver é preciso calar.
E calada eu gosto de estar. Não ser vista, apenas quieta, lapidando uma novidade.
Desculpe, dessa vez eu não quero que seja bom. No final de cada texto sempre vem a conclusão que fisga. Então, que eu seja o antitexto, que eu seja a antinarrativa, a anti-história contada, o veneno na língua do povo, o colírio desta carta. Obrigada por chegar aqui, outra vez.





segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

O peso do meu útero





Mulher, eu, fadada ao peso do meu útero
E de todo o sangue coagulado do mundo



Talvez os peixes possam gritar





E se os peixes pudessem gritar?
Eu não mais os comeria e assim seria menos hipócrita, mais firme.
Se dependesse de mim, mais nenhuma gota seria derramada e viveríamos em estado de plena paz
Eu choro todos os minutos pelos animais, tenho-me humana, feroz, ferida, cicatriz
Bardott, espere por mim
Talvez os peixes possam gritar


domingo, 29 de setembro de 2024

Inteiramente humana

 



Ora feliz, em muitas horas, triste
Humana.
Incapaz, caixa, rótulo, insana
Palavra cortante que espalha o fio da trama
Me joga fora que na água do balde eu vou embora
E continuo a existir
Longe de análises combinatórias, diferente do que se espera
Lendo o mundo com imperfeições
Mulher com a bestialidade de uma fera.
Igual a todo mundo,
Humana.





terça-feira, 13 de agosto de 2024

Mal secreto

 Mal secreto 

Jards Macalé / Wally Salomão

Não choro
Meu segredo é que sou rapaz esforçado
Fico parado, calado, quieto
Não corro, não choro, não converso

[...]

Não fico parado, não fico calado, não fico quieto
Corro, choro, converso
E tudo mais jogo num verso
Intitulado
Mal secreto



sábado, 10 de agosto de 2024

domingo, 28 de janeiro de 2024

Jardins que me ornamentam




Lyege, Natália, Gabriela, Andrea e Geralda. Laços de amizade que viraram irmandade.
Gerlane, Alzira, Josefa, Anita e Maria de Lourdes. Raízes de onde brota o meu sangue.
Analice, Elzanir, Margarete, Cláudia e Kátia. Espelhos de conhecimento.

Rios de força, ternuras no meio de violências, flores que cultivo, jardins que me ornamentam.

Só uma mulher conhece as dores de outra.

Obrigada.



sábado, 27 de janeiro de 2024

Cuidado onde pisa

 


Um aviso:

Coração é terra que ninguém vê
Coração é terra que ninguém pisa

Tudo o que for cristalino

 


Pedras naturais. Pedras preciosas. Joias. Bijuterias. Brincos. Colares. Aneis. Pulseiras. Pingentes. Ouro. Prata. Saúde. Teatro. Perfumes. Vidro. Garrafas de vidro coloridas. Garrafas antigas de perfume. Roupas. Sapatos. Bolsas. Viagens. Bons restaurantes. Boa comida simples. Coisas coloridas e transparentes. Vitrais. Ladrilhos. Cerâmica. Azulejos. Miçangas. Sinceridade. Honestidade. Resolver as coisas rápido. Gente de palavra. Contas pagas em dia. Tatuagens. Gatos. Comidas veganas. Rir de besteiras. Bolo de aniversário. Picolé de morango. Picolé de limão. Gelo. Animais em paz. Seres humanos em paz. Rio. Cachoeira . Verde. Turquesa. Azul. Arte. Céu estrelado. Coisas transparentes. Lua. Lilás. Forró. Organização. Casa arrumada. Estar em paz comigo. Terapia em dia . Fazer um estoque de remédios. Ervas. Oxum. Iemanjá. Iansã. Terços. Umbanda. Amigas. Família. Minha profissão. Tudo o que for cristalino. 

Não necessariamente nessa ordem.

Dei um beijo na boca do medo




Dei um beijo na boca do medo - Simone Mazzer


Dei um beijo na boca do medo
E saí por aí pela noite tão longa
Passei por terreiros iluminados
Na rodoviária meu mundo caiu
Peguei na mala uma meia
Vai fazer frio 
Falei pro cara sentado ao meu lado
Eu hoje não sofro mais
Eu vivo caindo fora
Sonhei com a fortuna das rodas no carro
O pai debaixo das asas
Da saia da grande mãe
Eu não tenho casa eu não tenho grana
Os anjos me fazem mal
Eu sei que o medo é uma droga pesada
E na porta do céu
Eles pesam as almas dos mortos
Só me interessam correntes de ar quente
E o que sente um golfinho
Nas grandes rotas do mar
Eu não tenho casa eu não tenho grana
Vai fazer frio [...]



terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Cantam meus olhos

 


Cantam os meus olhos
Coisas de lágrimas
Dias desses, 
Minhas retinas 
Viraram água


segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Sertão interrompido da alma



Tem alguma coisa de magia nesse cariri quente. Um fractal de quem fui no Sertão interrompido da alma. Descobrir como amar na sequidão de quem sempre rala o joelho no caminho das pedras.
Reconheço a trinca no olhar de quem já viu essa paisagem e sentiu a escuridão dos ossos em período sombrio. A rachadura dos pés conhecem as rachaduras do solo, a dureza do espírito e a intrepidez dos homens. Tudo já é conhecido, como a feitiçaria de quem penou sob o sol e hoje paga com luz e suor cada centavo de maledicência.
Nas voltas do samsara nasci maresia, água doce, às vezes cristalina, na busca por ser ainda magia, mas algo melhor.