segunda-feira, 17 de abril de 2017

Sobre remédios e venenos






Quando a dieta está errada, o remédio é inútil.
Quando a dieta está certa, o remédio é desnecessário.

sábado, 18 de março de 2017

Atravessar a rua



É preciso que se atravesse a calçada para se deparar com outro universo. Talvez assim o mundo desapareça e com ele as suas mazelas. Os únicos registros que existirão serão os Akáshicos. Esqueceremos a internet e a loucura que a habita. Fotos, cartas, recordações, tudo isso evaporará junto ao éter.
Estaremos todos imersos no cosmos, perdidos, estagnados na solidão dos astros e que assim seja até que nossa humanidade se reestabeleça. Os olhares mortais dos psicopatas, as cadeias infernais, a carne que alimenta nossos vícios, os animais indefesos e abatidos, as injustiças, as loucuras, a ganância que mata, a loucura que despreza as mulheres, o mundo imundo que foi construído. Tudo isso sumirá.
Basta que a ponta do dedão de pé toque a rua. Um toque e o mundo sumirá. O mundo das perversões e dores, o mundo dos sofrimentos. No auge da minha angústia eu só enxergo os absurdos que me rodeiam, as coisas abomináveis e inomináveis. Basta também um toque e o pior do mundo vem aos meus olhos. Na televisão um filme de terror é narrado com complacência e tranquilidade.
Nascemos e aqui estamos. Fazendo o que de nossos corpos? Aliciando ou deixando-nos aliciar pelos vícios? Escolhemos comer a carne do outro e sorrimos para isso. Pobres são os nossos pequenos companheiros de planeta que sofrem apenas por estarem aqui, em nossa companhia, ou, pobres somos nós? Monstros miseráveis que somos. Esse ser que encaramos no espelho pensa ou padece? Pensa ou faz padecer? 
Ouvi gritos e louvores, vi imagens que gostaria de apagar da memória. No entanto, apenas observei. Foi então que percebi: bastava atravessar a rua e tudo sumiria. No meu caminho de formiga solitária bastaria um passo e o mundo sairia do lugar. 


sexta-feira, 17 de março de 2017

Louco por você, Caê




Tudo o que ressalta quer me ver chorar
Louco por você
Nada esquece de armar uma lágrima
Que às vezes vem bater
Na cara... Onda do mar... Até gritar de... Felicidade
Tarde cinza, lágrima prismática
Louco por você
Cor multiplicada, som, palavra má
Porque não sei dizer
Saiba... Diga você... Agora é tarde... Felicidade (vem)

-Caetano Veloso


quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Uma voz me disse à noite...


Uma voz me disse à noite, em segredo:
- Não existe tal voz que sussurra em segredo na noite! 

Haidar Ansari

domingo, 22 de janeiro de 2017

Sinal de amor e de perigo



À noite e a cidade parece que some 
Perdida no sono dos sonhos dos homens 
Que vão construindo com fibras de vidro 
Com canções de infância, com tempo perdido
Um grande cartaz um painel de aviso
Um sinal de amor e de perigo
Um sinal de amor e de perigo
...
Há tempo em que a terra parece que some 
Em meio a alegria e tristeza dos homens
Que olham pros campos pros mares cidades 
Pras noites vazias, pra felicidade
Com o mesmo olhar de quem grita no escuro 
O melhor foi feito no futuro
O melhor foi feito no futuro
...
Enquanto o amor for pecado e o trabalho um fardo 
Pesado passado presente mal dado
As flores feridas se curam no orvalho
Mas os homens sedentos não encontram regato
Que banhe seu corpo e lave sua alma
O desejo é forte mas não salva
O desejo é forte mas não salva
...
Enquanto a tristeza esmagar o peito da terra
E a saudade afastar as pessoas partindo pra guerra
Nós vamos perdendo um tempo profundo
A força da vida o destino do mundo
O segredo que o rio entrega pra serra
Haverá um homem no céu e deuses na terra
Haverá um homem no céu e deuses na terra
Haverá um homem no céu e deuses na terra

Diana Pequeno






domingo, 15 de janeiro de 2017

Força estranha


Eu vi um menino correndo
eu vi o tempo brincando ao redor
do caminho daquele menino,
eu pus os meus pés no riacho.
E acho que nunca os tirei.
O sol ainda brilha na estrada que eu nunca passei.
Eu vi a mulher preparando outra pessoa
O tempo parou pra eu olhar para aquela barriga.
A vida é amiga da arte
É a parte que o sol me ensinou.
O sol que atravessa essa estrada que nunca passou.
Por isso uma força me leva a cantar,
por isso essa força estranha no ar.
Por isso é que eu canto, não posso parar.
Por isso essa voz tamanha.
Eu vi muitos cabelos brancos na fronte do artista
o tempo não pára no entanto ele nunca envelhece.
Aquele que conhece o jogo, o jogo das coisas que são.
É o sol, é o tempo, é a estrada, é o pé e é o chão.
Eu vi muitos homens brigando. Ouvi seus gritos
Estive no fundo de cada vontade encoberta,
é a coisa mais certa de todas as coisas.
Não vale um caminho sob o sol.
É o sol sobre a estrada, é o sol sobre a estrada, é o sol.
Por isso uma força me leva a cantar,
por isso essa força estranha no ar.
Por isso é que eu canto, não posso parar.
Por isso essa voz tamanha.

-Caetano Veloso



domingo, 8 de janeiro de 2017

O amor e o velho barqueiro


Chegando, finalmente, à margem do grande rio, o Amor avistou três barqueiros que estavam indolentes, recostados às pedras.
Dirigiu-se ao primeiro:
- Queres, meu bom amigo, levar-me para a outra margem do rio?
Respondeu o interpelado, com voz triste, cheio de angústia:
- Não posso, menino!
É impossível para mim!
O Amor recorreu, então, ao segundo barqueiro, que se divertia em atirar pedrinhas ao seio tumultuoso da correnteza.
- Não. Não posso.
Respondeu secamente.
O terceiro e último barqueiro, que parecia o mais velho, não esperou que o Amor viesse pedir-lhe auxílio. Levantou-se tranqüilo, e, estendendo-lhe bondoso a larga mão forte, disse-lhe:
- Vem comigo, menino!
Levo-te sem demora para o outro lado.
Em meio da travessia, notando o Amor, a segurança com que o velho barqueiro navegava, perguntou-lhe:
- Quem és tu?
Quem são aqueles dois que se recusaram a atender ao meu pedido?
- Menino - respondeu paciente o bom remador, o primeiro é o Sofrimento.
O segundo é o Desprezo.
Bem sabes que o Sofrimento e o Desprezo não fazem passar o Amor.
- E tu, quem és, afinal?
 - Eu sou o Tempo, meu filho - atalhou o velho barqueiro.
- Aprende para sempre a generosa verdade.
Só o Tempo é que faz passar o Amor!
E continuou a remar, numa cadência certa, como se o movimento de seus braços possantes fosse regulado por um pêndulo invisível e eterno.
Sofrimento, Desprezo...
Que importa tudo isso ao coração apaixonado?
"O Tempo, e só o Tempo, é que faz passar o Amor."

Malba Tahan