quinta-feira, 19 de abril de 2018

Mulher-lua


Sou noturna, mulher-lua, filha do oriente
Nasci em outubro, ao findar de um poente
Fiz na areia o meu sanctum celestial,
Cristal violeta posto num pedestal
Sou praia à noite, luz azul, lua cheia
Sou praia à tarde, céu lilás e lua vermelha
Às vezes cigana, às vezes índia, uma vez sereia
Carrego raízes de mulheres fortes
Um sussurro me diz sobre o amanhã
Não temo tempestades, sou moça e anciã
Notívaga, vagante pela madrugada
Meus olhos-esmeraldas são janelas
Que se abrem para a estrada
Sou noturna, mulher-lua, filha do oriente
Sou praia à noite, luz azul, lua cheia
Sou um corpo no mundo
Uma estrela que nasce
Uma aurora
Um grão de areia


Das definições de si



Eu sou um estar no mundo. 

segunda-feira, 16 de abril de 2018

Deixe cair



O amor há de brilhar infindo, insano e protegido por aí. O amor há de subir montanhas, chapadas e problemas, há de dormir na praia num fim de tarde e de compartilhar o sono no calar das estrelas. Ele há de cruzar comigo em algum corredor da vida e há de olhar nos meus olhos por minutos constantes. Ele verá o meu corpo pelo mundo e se encantará não com meu mistério, mas com a minha verdade, e, diante dela, quererá conhecer o meu coração e abrirá a vida para mim. Quero crer nas aventuras e nas mãos que não se largarão, quero cruzar a linha do tempo num eterno agora. Eu que sempre sei, quero saber quando chegar. Quero ver o amor sem desculpas, só querendo ficar, me levando para longe, sem pressa para voltar. A fidelidade no meio das coisas banais, planos, sonhos-filhos, sentimentos não-verbais. Quero crer na alegria de ser e saber da plenitude do que não se pode explicar. Não mais me importa que nada disso eu viva, o amor não se pede, não se encontra, ele é um tombo no abismo, é preciso cair, não se jogar.




quarta-feira, 11 de abril de 2018

Sobre o processo da grande criação




A grande arte é o que tento fazer agora, munida de um punhal e enormes olheiras. Cansei de estar fecunda, grávida, inebriada de ideias e de ter pesadelos. Escrever este trabalho é a minha maior renúncia, é o que me move ao fim da estrada trilhada com noites insones e a alma perdida em indagações sobre estruturas sintáticas e textos clássicos.
 Só a escrita suja me toca, nada da escrita acadêmica chegar, estou um tanto aborrecida. Anjo da guarda me ajuda aí, porque a ansiedade há dias está roendo a minha carne. Estou inerte observando o tempo escorrer enquanto o devaneio do futuro me engole. Sinto-me derreter pela madrugada com meus olhos verdes esbugalhados diante de livros, papéis e a luz artificial do computador. Ao meu lado minha gata dorme, nem sonha com meus pesadelos.
Sêneca, seja meu camarada, fale um pouco mais da sua vida, sou toda ouvidos para você. Por que Calígula não te matou? Como foram os anos no exílio, tens aí alguns trechos das tuas pesquisas etnográficas? Gostei muito do movimento dialético das tuas obras, por enquanto estou esquadrinhando estruturas do teu diálogo e pesquisando sobre diatribe. Quanto tempo há na brevidade da minha vida para saber mais sobre ti?
Fui embora do mundo e agora nada além dos livros e artigos moldados em outros idiomas pode me consumir. Aliás, me devoram também aqueles olhos verdes, tão gentis.  Esse capítulo precisa sair. Madrugada que corre feito gato desembestado pela casa e derruba as minhas certezas. Estou morrendo nas esperanças, estou morrendo entre os livros, estou já morta pelo peso que essa grande arte tem. Sêneca grita para mim: coragem!
Talvez um banho me anime.


sexta-feira, 6 de abril de 2018

O que sobrou de mim


O que eu carrego dentro de mim
Talvez eles só saibam mais tarde
Quando eu me for
Depois de terem lido meus versos
Revirado minhas gavetas
Rasgado meus diários
Visto meu corpo
E não haverá nada de mim
Para eles saberem
O que há em mim
Eu também não sei
O que sei, não mostro
O que eu mostro, já foi embora
Por fim,
Não sobrará mais nada de mim
-Para eles saberem-





Ao meu filho



Dorme sereno meu menino, dorme entre as nuvens e com os anjos aí no céu. Descansa enquanto ainda não tenho como te dar conforto nesse mundo. Sua mãe ainda tem muito que trabalhar. Já sei teu nome há tanto tempo, meu filho, que é como se eu pudesse te conhecer. Quero te mostrar um lado bonito do mundo, te ensinar a amar os animais e respeitar as mulheres. Conheço a minha impaciência e sei que nem sempre vou ser o que você queria, mas com certeza me esforçarei para ser aquilo que precisavas.
Não sei do teu rosto, ainda não conheci o teu pai, e, se o conheço, não o reconheço como alguém capaz de ser terreno fértil comigo. Espero o dia em que eu me torne árvore da vida e seja terra sagrada para o fruto da tua vida brotar. Quero que saibas das mulheres fortes e negras que vieram antes de mim, que eram curandeiras, que foram escravas, que são nossas raízes e parte do que sou hoje e um dia serás tu também.
O futuro não nos reserva dias melhores e o país fervilha em caos. Não sonhei com esse futuro, não sei do meu futuro, mas sonho com você. Dentro de mim, desejo que você tenha o olhar manso e regado de empatia para as dores alheias, que você venha com luz, nutrido dos seus antepassados, amado pelos seus, respeitado no seio da família, querido e forte na vida. Não precisa ser gerado dentro de mim também, basta vir pelo amor, da cor que for e como a vida quiser. Espera um pouco filho, mas saiba: o abraço da tua mãe sempre te espera.