quarta-feira, 11 de abril de 2018

Sobre o processo da grande criação




A grande arte é o que tento fazer agora, munida de um punhal e enormes olheiras. Cansei de estar fecunda, grávida, inebriada de ideias e de ter pesadelos. Escrever este trabalho é a minha maior renúncia, é o que me move ao fim da estrada trilhada com noites insones e a alma perdida em indagações sobre estruturas sintáticas e textos clássicos.
 Só a escrita suja me toca, nada da escrita acadêmica chegar, estou um tanto aborrecida. Anjo da guarda me ajuda aí, porque a ansiedade há dias está roendo a minha carne. Estou inerte observando o tempo escorrer enquanto o devaneio do futuro me engole. Sinto-me derreter pela madrugada com meus olhos verdes esbugalhados diante de livros, papéis e a luz artificial do computador. Ao meu lado minha gata dorme, nem sonha com meus pesadelos.
Sêneca, seja meu camarada, fale um pouco mais da sua vida, sou toda ouvidos para você. Por que Calígula não te matou? Como foram os anos no exílio, tens aí alguns trechos das tuas pesquisas etnográficas? Gostei muito do movimento dialético das tuas obras, por enquanto estou esquadrinhando estruturas do teu diálogo e pesquisando sobre diatribe. Quanto tempo há na brevidade da minha vida para saber mais sobre ti?
Fui embora do mundo e agora nada além dos livros e artigos moldados em outros idiomas pode me consumir. Aliás, me devoram também aqueles olhos verdes, tão gentis.  Esse capítulo precisa sair. Madrugada que corre feito gato desembestado pela casa e derruba as minhas certezas. Estou morrendo nas esperanças, estou morrendo entre os livros, estou já morta pelo peso que essa grande arte tem. Sêneca grita para mim: coragem!
Talvez um banho me anime.