A grande arte
é o que tento fazer agora, munida de um punhal e enormes olheiras. Cansei de
estar fecunda, grávida, inebriada de ideias e de ter pesadelos. Escrever este
trabalho é a minha maior renúncia, é o que me move ao fim da estrada trilhada
com noites insones e a alma perdida em indagações sobre estruturas sintáticas e
textos clássicos.
Só a escrita suja me toca, nada da escrita
acadêmica chegar, estou um tanto aborrecida. Anjo da guarda me ajuda aí, porque
a ansiedade há dias está roendo a minha carne. Estou inerte observando o tempo
escorrer enquanto o devaneio do futuro me engole. Sinto-me derreter pela
madrugada com meus olhos verdes esbugalhados diante de livros, papéis e a luz
artificial do computador. Ao meu lado minha gata dorme, nem sonha com meus
pesadelos.
Sêneca, seja
meu camarada, fale um pouco mais da sua vida, sou toda ouvidos para você. Por
que Calígula não te matou? Como foram os anos no exílio, tens aí alguns trechos
das tuas pesquisas etnográficas? Gostei muito do movimento dialético das tuas
obras, por enquanto estou esquadrinhando estruturas do teu diálogo e
pesquisando sobre diatribe. Quanto
tempo há na brevidade da minha vida para saber mais sobre ti?
Fui embora do
mundo e agora nada além dos livros e artigos moldados em outros idiomas pode me
consumir. Aliás, me devoram também aqueles olhos verdes, tão gentis. Esse capítulo precisa sair. Madrugada que
corre feito gato desembestado pela casa e derruba as minhas certezas. Estou
morrendo nas esperanças, estou morrendo entre os livros, estou já morta pelo
peso que essa grande arte tem. Sêneca grita para mim: coragem!
Talvez um
banho me anime.
