A ilusão do
artificial foi embora junto com lágrimas, canções, alianças e sonhos. Não mais
me exaspera o futuro com suas insanas surpresas e alegorias. Os anéis atirados
pela janela ou ao mar agradecem a liberdade e a banalização do que um dia já
foi sagrado. A existência de imagens já não interfere na minha memória do mesmo
modo que as lembranças em meu quarto tornaram-se bonitos enfeites. Uma leveza
memorável pesa sobre tudo o que foi guardado ou não.
Ao lado de
outro ser humano nenhuma declaração de amor permanece, porque a minha calma
ainda não aprendeu a lidar com a areia movediça dos terrenos alheios. Acordei
de um longo feitiço, troquei as lentes da vida e planejo mudar a cor dos
cabelos.
Dia desses,
num almoço solitário, eu engolia minhas quase-lágrimas com purê enquanto tocava
uma música brega no telão da praça de alimentação. As lembranças me corroíam
sem nenhum pudor, mas foi bom. Foi eficiente para que minhas pálpebras parassem
de remoer o sal.
É pretensioso
dizer que daqui nasceu um novo projeto de mim, mas é honesto mudar radicalmente
as páginas do diário e escrever poemas de amor para uma moça parecida comigo.
As madrugadas insones agora dormem cedo e qualquer sentimento que exista aqui
dentro já não tem o mesmo nome.
