sábado, 8 de dezembro de 2018

Abraços de sereia




Catei flores brancas na esquina, vesti uma camisa verde-água e uma calça bem folgada. Sei que andei por aí meio esquisita, mas assim que é bom: esquisita e descabelada. Fui para onde a minha alma pode ser acolhida e esperei. As flores murcharam com a alfazema, mas não tem problema, Iemanjá entende meu coração e eu ganhei outras flores. As pessoas cantavam e soltavam fogos. Anoiteceu e eu ali, rezando para o mar me ouvir e minhas flores não agredirem a natureza.
Andei pela beira do mar bem devagar enquanto me perguntava quem habitava a escuridão que se via adiante. A noite me preenche. Vejo gente sozinha, casais, famílias, frascos de perfume, restos de isopor e flores brancas murchas pelo caminho. Joguei o isopor no lixo. Iemanjá vai ter muita gente para ouvir, será que meu coração-água irá dissolver-se até chegar a algum lugar místico?
Sento na areia e ninguém no mundo sabe do meu paradeiro. É um quase sumir, é saber-se desimportante para a humanidade, é entregar-se à realidade. Sou só uma pessoa desengonçada nessa praia pensando sobre a existência, carregando algumas coisas na bolsa, que se fosse levada, me tiraria do eixo, porque não lembro de nenhum telefone importante e eu seria quase como uma criança perdida sem ter como voltar para casa.
Abraços de sereia e eu quietinha na praia. A multidão celebra e eu passo por ela transparente enquanto carrego meus passos de liberdade e agradeço pelo dia oito de dezembro e pela força que mora no meu corpo ausente.