domingo, 25 de outubro de 2015

A minha ladeira da saudade - II





Que lugar maravilhoso. A atmosfera, as casas coloniais, as ruas... só de pensar que passei 11 anos da minha vida alimentando esse sonho... Ali eu era a menina de 14 anos que leu a Ladeira da Saudade e estava encantada. As minhas paixões por fotografia, arquitetura e história explodiam. Meu deus, obrigada! Universo, obrigada!
Cada ângulo era motivo para uma foto, a comida era divina e as pessoas incríveis. E os rapazes Mineiros? Que tanto homem lindo. Tudo bem que a minha definição de homem lindo é meio estranha, se tiver nariz grande já acho bonito, quer dizer... Enfim, Minas se apresentava pra mim e eu estava extasiada com a experiência. Epa, que rapaz bonito. Não, calma Júlia, não olha.
À noite a nossa turma gostava de ir para os bares da região. MPB, cachaça, conversas filosóficas, literatura, arte, política e muita gente bacana. Entre tantas conversas um rapaz sentou ao meu lado -logo o rapaz bonito que eu não queria nem olhar:
-Oi Júlia, cê é Paraibana né? Eu tenho família lá na Paraíba também.
-Ah, como você sabe meu nome?
-O Paulo me disse
-Tinha que ser ele,  mas... então.. qual o seu nome?
-Felipe
Felipe... mineiro, 20 e tantos anos, também jornalista, cabelo bagunçado, barba por fazer, jeito meio largado, louco por samba, MPB, fã do Devendra Banhart assim como eu, virginiano, cabelo preto, narigudo, tatuado, brinco na orelha... O que mais eu haveria de querer? Que cara mais lindo! E o perfume dele? Sei lá qual era, mas eu estava hipnotizada.
Sabe aquela pessoa que você costuma idealizar? E sabe quando ela se MATERIALIZA na sua frente? Pois é, aconteceu. E a minha paz? Bem, eu estava em Minas, nunca mais veria essa lindeza que se chama Felipe, então eu acho que dá pra sair da zona de conforto e das minhas indagações internas. Se ele for uma boa pessoa vale o potencial desconforto do meu coração.                                               
Felipe é amigo de uma das pessoas que vieram conosco na viagem. Tem família na Paraíba e tem contato com professores da Universidade Federal daqui. Legal isso, mas tenho que me certificar que não vou mais vê-lo. Dar aquele meu chá de sumiço e garantir que meu coração fique intacto.
Voltando ao bar... A conversa estava boa demais e o samba tocou. Felipe me chamou pra dançar. Ô beleza, sô! Química é uma coisa que se nota pelo olhar. O jeito dele me segurar, os braços ao redor das minhas costas, o perfume, o suor, o barulho ao redor. Parecia que eu vivia uma cena já sonhada, e era bom. Parecia que já nos conhecíamos de tão bem que as coisas fluíam. Eu queria estar ali, mas tinha medo de beijá-lo, tinha medo. Já eram três e meia da manhã e Paulo estava bêbado. Eu tinha que levá-lo de volta ao hostel. Felipe pediu meu telefone, mas eu desconversei e fui embora. Vai ver era um louco, psicopata.
Isso ele não era. No dia seguinte fomos a uma cachoeira. Todo mundo estava animado. Paulo tentava lidar com a ressaca, eu estava grudada na minha máquina tirando fotos e Felipe estava com o olhar em mim. A energia da mata me fazia bem e eu não via a hora de mergulhar nos braços de Oxum. Sou filha de Iansã, Iemanjá e de Oxum. Carrego a energia das águas em mim. Enquanto eu e Paulo estávamos em nosso papo místico, o mineiro se meteu na conversa. Qual é o meu susto ao saber que ele também curte essas coisas. Um ponto a mais pra ele.
De noite teve festa numa república. Meu sonho era entrar numa dessas repúblicas iguais às daquela novela Coração de Estudante. O lugar estava cheio de universitários de vários lugares. Era meio bagunçado e ao mesmo tempo aconchegante. Tinha uma varanda que estava toda iluminada com luzes de natal e a vista era incrível. Era possível ver igrejas, casinhas e mais ao longe as montanhas. Acima de nós um céu maravilhoso que só se vê no interior. Logo lembrei da música de Caetano, Céu de Santo Amaro. Fechei meus olhos e agradeci. Sabia que teria que guardar aquela sensação no peito. Aquilo era único e era mais um sonho se tornando verdade. Até que me veio a coragem de puxar assunto:
-Oi Felipe, gostou de hoje?
-Demais, só estou um pouco cansado, mas, mudando de assunto, achei bonita a sua tatuagem.
-Gostou da minha lua? Essa tatuagem tem um significado bastante forte pra mim. Na verdade, assim como você, estou bem cansada da trilha, mas sabe como é, não quero perder nada.
-Eu te entendo, quando estava na Paraíba eu também não queria perder nada.
-Ei, olha esse céu. Olha essa paisagem.
Conversamos muito. O que mais gosto ao estar perto de alguém é o fato de poder ser quem eu sou. Se for para ter que usar máscara, não vale a pena. Aos poucos fomos nos abrindo e ele me contou sobre sua vida amorosa e familiar. Existia uma sintonia inexplicável entre nós dois e o Felipe me disse que sentiu isso desde que me viu passeando pelas ruas de Ouro Preto, coisa que eu nem imaginava.
Até que paramos de conversar e olhamos para o céu em silêncio. Ele pegou a minha mão e me abraçou. Seu rosto chegava mais perto e o seu perfume entrava em meus poros. Meu coração disparava e a sua boca encostou na minha.... Mágicos minutos. Valeu a espera.

Um beijo era a mistura de tudo: perfume, pegada, suor, gosto e intensidade. Só aí eu dei meu telefone para Felipe. Em dois dias eu iria embora e isso era o que me acalmava, porque no fundo do peito eu sabia que beijos perfeitos às vezes acompanhavam ansiedade e noites mal dormidas. Ali, eu só queria esquecer tudo e aproveitar. Esquecer e aproveitar. O carpe diem em seu significado mais superficial.