Meu violão é
constantemente esquecido, fica encostado no canto com uma sombra de esperança,
como se estivesse sempre pronto à vida. Ele é parte da minha essência
adolescente, de quando eu acreditava que pudessem brotar de mim talentos musicais.
Consumi meus dedos e alguns neurônios, de modo que me restaram a lembrança de
alguns acordes e folhas com cifras de canções perdidas.
Quando em meio a
diatribes do meu coração, produzo os sons mais simples que podem soar das
cordas. Músicas decifradas por alguém acalmam o meu desejo por produzir alguma
coisa que me transcenda. São apenas sons, acordes simples, alguma coisa com
sétima, alguma coisa maior ou outra menor. O ritmo mal me pertence e não há ser
vivente que queira ouvir a minha voz. Mesmo assim fluo transcordante, ciente do
pouco saber musical que me basta.
Do meu instrumento
brotam mil possibilidades noutras mãos. Ele não se abre para mim, desconheço
seus segredos. Harmonias, acordes, arpejos e escalas que se escondem por entre
cordas e braço. Aos cuidados de quem conhece suas delicadezas, o meu violão se
desfaz de tantos mistérios que é como se eu nunca o tivesse visto. Roda mundo,
roda gigante, roda moinho, roda pião. As mesmas mãos que me afagam descortinam
os segredos do meu violão, como se a melodia do mundo fosse uma eterna
novidade.
Um rapaz de cabelo
longo, muito mais longo que o meu, está sentado em minha cama, tocando o meu
violão e a voz dele é tão bonita. Ele canta Caetano, Novos Baianos e Chico
Buarque. Eu me lembro de outros tempos, quando eu descobria como fazer acordes
e volto para o agora, para a tarde que existe somente no meu quarto. Continuo
observando o rapaz sentado em minha cama e ouço os segredos que o meu violão
cochicha.
