domingo, 10 de fevereiro de 2019

O segredo do meu violão


Meu violão é constantemente esquecido, fica encostado no canto com uma sombra de esperança, como se estivesse sempre pronto à vida. Ele é parte da minha essência adolescente, de quando eu acreditava que pudessem brotar de mim talentos musicais. Consumi meus dedos e alguns neurônios, de modo que me restaram a lembrança de alguns acordes e folhas com cifras de canções perdidas.
Quando em meio a diatribes do meu coração, produzo os sons mais simples que podem soar das cordas. Músicas decifradas por alguém acalmam o meu desejo por produzir alguma coisa que me transcenda. São apenas sons, acordes simples, alguma coisa com sétima, alguma coisa maior ou outra menor. O ritmo mal me pertence e não há ser vivente que queira ouvir a minha voz. Mesmo assim fluo transcordante, ciente do pouco saber musical que me basta. 
Do meu instrumento brotam mil possibilidades noutras mãos. Ele não se abre para mim, desconheço seus segredos. Harmonias, acordes, arpejos e escalas que se escondem por entre cordas e braço. Aos cuidados de quem conhece suas delicadezas, o meu violão se desfaz de tantos mistérios que é como se eu nunca o tivesse visto. Roda mundo, roda gigante, roda moinho, roda pião. As mesmas mãos que me afagam descortinam os segredos do meu violão, como se a melodia do mundo fosse uma eterna novidade.
Um rapaz de cabelo longo, muito mais longo que o meu, está sentado em minha cama, tocando o meu violão e a voz dele é tão bonita. Ele canta Caetano, Novos Baianos e Chico Buarque. Eu me lembro de outros tempos, quando eu descobria como fazer acordes e volto para o agora, para a tarde que existe somente no meu quarto. Continuo observando o rapaz sentado em minha cama e ouço os segredos que o meu violão cochicha.