domingo, 24 de fevereiro de 2019

Sessão da tarde



Havia oito pessoas na sala de cinema, fiz questão de contar no mínimo umas dez vezes para ser fiel a minha história. Eu, dois senhores, uma senhora, um funcionário do cinema e uma família: um idoso e dois jovens. Achei incrível uma sessão com poucas pessoas, senti-me alguém fora da curva, sem ter o que fazer, talvez até privilegiada em poder gastar duas horas da minha vida assistindo a um filme tão ruim quanto a minha existência nesse momento.
Mais uma vez observo um ser humano em crise, cansado, fugindo de suas atribuições e culpas. O dedo em riste de tanta gente faz questionar sobre a qualidade das sementes plantadas. Saber-se uma pessoa má é um choque para o ego. Confusa, não sei direito onde mora a intuição e onde se esconde a loucura.
Ao meu lado, uma velha companheira não contabilizada na sala de cinema repete os últimos acontecimentos da semana e as palavras violentas batem em mim como fortes pancadas. O trailer faz chorar, o filme não serve para rir. O filme, aliás, nunca caberia tão bem nessa semana. Fosse ele bom, não haveria sentido em mais nada. Tinha mesmo que ser fraco e incoerente para minha vida ganhar mais algum drama.
Encolho-me na poltrona e em vez de esquecer os problemas, passo a remoê-los delicadamente num ato masoquista e rebelde de quem não se ama e pretende continuar inflamando o próprio coração. Perguntava-me como pessoas, apenas pessoas, em sua maioria com dois braços, duas pernas, uma boca e estatura geralmente mediana, são capazes de destruir tantas coisas.
Eu, com um metro e sessenta, fui capaz de ser para outros muito daquilo que eu temia para mim. Se há alguma solução para os problemas que eu mesma arranjei, ela está perdida em algum lugar do meu próprio universo. Assim como a projeção do filme, meus atos passam por meus olhos: ontem desci do ônibus numa parada qualquer, sob o sol do meio dia, andei sem rumo, corri, atravessei avenidas e parei exausta com as pernas bambas, a pele ardendo e a cabeça latejando; revi a surpresa nos olhos dele e a lua nascendo vermelha; ouvi a voz de quem me teve ao lado por dezesseis ciclos solares e hoje me detesta. Tudo acaba.
É como se tivessem jogado fora um alimento mofado, mas que eu gostava de comer. É como se tivessem exposto minhas mazelas e agora elas tivessem sorrindo e acenando na enorme tela do cinema da minha cabeça esquisita. Acompanham essa sessão mental, um mal estar crônico e alguma leveza ao ver o lado mais escuro da minha lua.
Daqui a pouco, as projeções de hoje cessam, mas, já adianto que em algumas horas pretendo escrever outros roteiros. Dessa vez mais felizes, assim espero.