domingo, 6 de março de 2016

Chuva para dois


Um casal desses que a gente vê pelas paradas de ônibus, numa moto, num passeio no shopping, andando pelas ruas do centro da cidade e até na sala de uma faculdade. Eles moram numa casa simples no Rangel. Foi a casa que puderam comprar.
A vida sempre difícil os levou para caminhos distintos daqueles que sonharam. Só o amor dos dois alivia as desilusões da vida. Sair da casa dos pais para morar juntos foi a coisa mais audaciosa que fizeram, e a melhor. A vida é difícil e o dinheiro só é suficiente para as contas primordiais. Querem ter profissões diferentes e morar em outro bairro. Comprar uma casa bem maior não seria mal. Enquanto isso não acontece eles sonham e lutam.
A volta do trabalho é uma das piores partes do dia: ônibus lotado, gente suada e um aperto infernal. De vez em quando Kayllany olha pela janela e sente inveja dos carros ao lado. Dane-se o trânsito, bom mesmo é estar sentada dentro de um automóvel e não nesse aperto. Enquanto isso, Denilson pilota a sua moto e cruza entre os carros querendo chegar na faculdade na hora.
Depois das aulas na faculdade, os dois chegam em casa. Cansados, só querem dormir, mas, o amor não dorme. Apesar das dificuldades, nada supera a felicidade de pôr os pés em casa depois de um dia exaustivo, mesmo quando o teto é de telha, as paredes são finas e os móveis são simples. O importante mesmo é ter um lar acolhedor.
Bonito é quando chove. É possível que as gotas da chuva sejam sentidas mesmo dentro de casa. São pingos finos e discretos.  Nas madrugadas chuvosas, o corpo de quem se ama parece adquirir novos contornos de desejo, principalmente debaixo de um lençol quente. O único lugar para se abrigar é no corpo um do outro. Para eles, não há nada melhor do que dormir aquecidos num abraço infinito, ainda que sintam os pingos da chuva.
Parece até que a casa simples deixa as coisas surpreendentemente mais bonitas. Não fossem as telhas, o abraço não teria tanta graça. Quando amanhece o quarto fica num tom de azul que não posso explicar. As cores e sensações que moram nessa simplicidade são únicas.
Já são cinco da manhã e lá fora está frio. O orvalho pode ser sentido mesmo com a janela fechada e aí eles precisam despertar. Os pássaros cantam lá fora, mas dentro do quarto os corpos ainda se procuram. Luz azul, frio, orvalho, amanhecer, pássaros cantando e o amor sonolento dos casais que se amam. O dia chama, eles precisam trabalhar. Janela aberta, clima da madrugada e café da manhã. A casa é simples, mas guarda em si uma magia que só o amor desvenda.