terça-feira, 13 de março de 2018

Período fértil



Chico fez a música para Bárbara, ele é doido de amor por ela. Fogo na caldeira, mel doce que vem da mulher, a vida brotando e fervendo em paixão. Também estou nua, mas não sou Bárbara. Estou fervendo com as palavras, num período fértil de mim, delirante por crias que rejeitarei adiante, radiante por crer em livros de títulos indefinidos.
Todo processo deriva de dias escuros, noites longas, choros intermináveis, incertezas ensurdecedoras. Isso que me mata é o trabalho a parir, criança que precisa nascer. Em paralelo as palavras tomam-me a mão e não se importam com Roma ou filosofias, elas querem a minha nudez, querem o mundo como ele é.
O centro da cidade sujo, o velho tarado do mercado central, a praia noturna, as amigas de sempre, os passeios felizes, a beleza até na feiura da vida. Não há como conter isso que escorre, se sou da arte, que eu me derrame em palavras. Fogo em meus dedos, nua em período fértil de mim, deixo as palavras escorrerem.

Estou em período fértil de ti
Vem comigo maruja
Marulhos marejam meus olhos
E o que vejo avulta
Preenche minha aldeia
Onde sou já terra alheia
A intuir e entoar
Cantos de receber
E dar





sábado, 10 de março de 2018

Cigana



Ela apareceu em meus sonhos com batom vermelho, tiara de flores e os olhos verdes arregalados para mim. Sorria, me aconselhava com firmeza e eu entendi que já a conhecia. Moça que me acompanha, chora comigo, sussurra verdades, me protege de mentiras.
Cheiro de alfazema, beleza do sábado, limpeza no meu coração. A cigana de oxum colhe lírios em campos místicos nas cidades que ainda não conheço.  Quero me jogar no rio, deixar a minh’alma respirar na beleza do rio.
Eu sei que ela gosta daquela saia florida. As mãos balançam o leque, os quadris rebolam com leveza, os braços fazem movimentos bonitos, ela vem do oriente e do oriente eu sou filha. O meu corpo já não é mais meu. Fecho os olhos ou estariam eles abertos? Movimentos de cigana. Não ando só. Meus olhos verdes são os dela também. Encaro o espelho, não tenho medo do olhar que me enfrenta, estou de batom vermelho e tiara de flores na cabeça. A cigana sou eu.

Inconstante



É o que eu sou. Libriana inconstante, pessoa inconstante. Para além das estrelas, signos, vênus, marte e lua. Eu sou um pêndulo, ou melhor, eu sou uma balança desregulada, talvez. Eu sou alguém que quer entender alguma coisa da vida. Eu sou romântica, mutante, sou uma solitária sempre acompanhada.
Para ficar perto de mim é preciso me amar, me amar muito. Não pode me prender, mas tem que me dar segurança, mesmo que eu não ofereça nenhuma. Tem que me querer mesmo com o ritmo insano do meu pêndulo. Sei amar com força. Vou querer morrer por ele, vou saber esquecê-lo uma semana depois e vou sentir saudades em alguns meses.
Eu amo sem saber que estou amando. Gosto da solidão e dentro dela desejo o amor. Sou delicada, cuidadosa, quero planejar as situações, medir o tempo de cada coisa e quando menos percebo, estou quebrando as regras antes estabelecidas por mim.
Não sei como existir de outra forma, mas é a única forma que conheço. Talvez a minha pouca idade não me ajude muito, talvez eu mude, talvez não. A duração dos meus relacionamentos é diretamente proporcional ao amor que sinto. Repito, para estar perto de mim é preciso me amar, e, se se isso durar, é porque estou amando também.
Liberdade e intensidade, tudo junto. E por ser tão inconstante, eu aprendi a me amar dessa forma. Eu tenho um coração enorme, que pulsa, que ama e que quer viver. Sim, eu sei ser constante. Conheço a lealdade, a calmaria e o embalo da rede. Tenho laços fortes, amizades longas e a fidelidade de um cão.
O meu lado solto ainda não encontrou um porto seguro. Ele só quer dizer: eu que sempre fui tão inconstante, te juro meu amor, agora é pra valer. Só que por enquanto ele não quer dizer nada, ou nem sabe o que dizer.

Dormir para viver



A madrugada me traz o céu e estrelado e a saudade daquilo que vivi e não lembro, a lua brilha em minha janela e do meu colchão posso enxergá-la, um gatinho branco aparece toda madrugada bem em frente à minha janela. 
A verdade é que eu queria ter algo pra fazer amanhã de manhã, de preferência bem cedo, (um compromisso por favor) e passar o dia com sono pra ver se durmo mais cedo. Sinto saudade das músicas religiosas que costumava escutar de manhã, assim como minha avó faz.  Acho que sou 'meio avó' mesmo. Nunca mais acendi uma vela ou um incenso, ou lavei a louça. Sinto falta das fotos que tiro durante à tarde, quando a iluminação é sempre melhor e a criatividade também. Não quero me rasgar para tirar daqui uma crônica.
Acho que a crônica é essa: 'sentir saudade das coisas que se pode fazer e só não se faz por preguiça'. Procrastinar. Posso dar aulas de como fazer isso. Tanta coisa me seduz aqui dentro de casa. São meus esmaltes, são as minhas tintas e aquarelas, o meu violão, algum livro, o céu, o lápis e o papel à mão (desenhar...). A preguiça soa melhor quando bem aproveitada. É melhor passar a tarde ouvindo jazz e olhando o céu, deitada numa rede do que ficar fazendo tudo isso e pensando: tenho que, tenho que. O problema é que eu tenho mesmo. 
Lavar o cabelo, pintar as unhas, consertar um objeto, ver tal filme, tudo parece menos importante do que fazer 'aquele' projeto. E claro que é. Mas quem disse que na prática funciona assim? No fim nem nem meu cabelo, nem minhas unhas, e nem o meu projeto.
"Eu faço samba e amor até mais tarde...e tenho muito sono de manhã". Pois é, o poeta pode e eu não. Nem samba e nem amor, só esse texto que a princípio seria só mais um rascunho. De longe  sou um Caetano, tenho que trabalhar. Um ser humano, afinal, que admira quem não conhece, que procrastina como todo mundo que trabalha, que também trabalha, que não faz samba de madrugada, mas escreve por aí. 
Ironia talvez, eu estar aqui escrevendo de madrugada sobre tudo o que eu gosto de fazer quando acordo cedo. Será que amanhã terei essa disposição? Só sei que agora a cama chama e talvez, mais um crônica eu pude terminar. A minha mãe grita: Vai dormir menina! Quem eu amo tem razão. Preciso viver mais.

Processo I




Onde estão as estrelas e as palavras doces? Estão guardados para quando o dia nascer mais bonito. Tá tudo na gaveta do coração. Só vou abrir quando acordar mais cedo. Enquanto isso eu vou costurando a vida: acrescentando palavras, chorando sem vírgulas, perdendo pontos, vivendo entre parágrafos, estudando sem cores, gritando rascunhos... Pergunto ao rapaz de onde vem essa tamanha sede por bocas e ele responde sem poesia, tem coragem de enganar. Ri, vive com sede. Olho a cidade da política. Destilo amargor.  Faço do ônibus a minha viagem, vou colorindo a cidade... Choro o vácuo, o abandono das palavras. O que vem depois é rascunho. O que publico é quase lixo.  Continuo. Enquanto posso, escrevo.  O problema é que escrevo demais. Escrevo sem pausa. Uso o ponto. Não tem pausa. Você não respir... Não!....não! não respire. Agora sim! respire... E fora dos textos eu organizo a vida. Acordo mais cedo e abro as gavetas da felicidade.  E de algum jeito as estrelas voltam, as gavetas do coração ficam abertas e as palavras, antes errantes,  param em algum lugar. E eu, feliz, aproveito.

sexta-feira, 9 de março de 2018

Crônica da cidade





Nesse ônibus tudo acontece como aconteceu ontem. A única coisa que posso fazer é observar. A minha vida está acontecendo aqui, ao lado de outras vidas. Basta olhar ao redor para perceber o ambiente abarrotado de pensamentos, e quanto maior é o silêncio, mais sufocante o ar fica.  O silêncio pensa esconder alguma coisa.  
Em mim pulsam veias como as ruas da cidade. Os meus olhos percorrem distâncias e a minha mente tenta vagar por todos os caminhos possíveis. "De onde estou já sei me virar". O mapa da cidade é o meu coração. Atravesso ruas e descubro rotas. Junto avenidas e assim o mundo vai diminuindo. Calculo o tempo exato para atravessar ruas. Decoro os ônibus e mesmo assim me perco. Tudo isso acontece em minha cabeça. Ainda estou aqui, sentada. "O que tem pra lá?" "Onde vai dar aquela rua?".
É uma selva de alumínio, e a gente se pendura como bichos pra não cair. De galho em galho encontramos algum destino e quando tem lugar vago, a gente senta. A gentileza anda ao lado da ignorância. De vez em quando aparecem aqueles que pedem. Sete da manhã e seis da tarde: todo mundo é sardinha. Sacrifício pra levar o pão pra casa e comprar o remédio do filho.
O rapaz do interior, o homem da construção, os estudantes, a secretária, a vendedora, eu e mil tipos humanos. Todo mundo cansado, uns lutam de verdade, outros só passam pelos caminhos sem saber quem são. Uns se deprimem com a situação, olham para a rua e desejam estar dentro de um carro. Uns sentem vergonha de estar ali, outros só querem chegar em casa sem grandes reclamações. Passam o dia engolindo sapos, matando leões, pensando em regimes, em sexo, nas coisas mais banais e depois querem só dormir. Muitos estudam, sonham. Outros já têm carro, mas estão no ônibus por que querem. Trivialidades, afinal.
São três da tarde e eu já imagino a situação das seis horas. Não tenho vergonha de estar aqui. Eu gosto disso, vejo as pessoas lá fora. Reconheço os perigos, mas sei que é preciso viver. Vejo rostos lá fora que não lembrarei minutos depois. Essa é a minha aventura, aventura urbana. Saio do lugar, mas não saio de mim.



Dentro da estrela




Ainda vou ter uma conversa com as estrelas. Quero saber de onde vem esse brilho estranho. Não sei o que é estrela, não sei o que é satélite e nem sei o que é disco voador. Ao mesmo tempo que tudo isso me encanta também me assusta.
Será que tem alguém me observando? Fico atenta às minhas faculdades, ao meu corpo. Quero perceber se for abduzida. Risos e mais risos. É divertido se deixar perder nesse infinito escuro que a noite revela. Olhar para o céu é puro encanto. As estrelas brilham me confundindo. Rodam pelos céus e são camufladas pelo sol. Queimam. Elas sorriem para mim. São as companheiras da madrugada. 
És tão linda. Podes vir, não brilhes sozinha. És colocada nesse quadro infinito que chamo de universo e junto às tuas irmãs embelezas a noite. Não posso te abraçar, meus olhos apenas enxergam o brilho de tua ancestral. Já morrestes e deixastes teu brilho por aqui. Uma viagem eterna tivestes que percorrer até ser admirada. Quando o sol vai deitar-se tu vens surgindo. Formas constelações. Tantos anos, tantas luzes, tantas viagens e nunca vais perdendo a tua beleza.
Eu, aqui, sou só mais uma admiradora. Estrela que vem para me lembrar daquele lugar sagrado. Daqueles lugares que eu já fui e nem lembro.  Observo a noite. Paz profunda. Amor. Toda noite os meus olhos se transformam em janelas que se abrem para o infinito.