sexta-feira, 9 de março de 2018

Crônica da cidade





Nesse ônibus tudo acontece como aconteceu ontem. A única coisa que posso fazer é observar. A minha vida está acontecendo aqui, ao lado de outras vidas. Basta olhar ao redor para perceber o ambiente abarrotado de pensamentos, e quanto maior é o silêncio, mais sufocante o ar fica.  O silêncio pensa esconder alguma coisa.  
Em mim pulsam veias como as ruas da cidade. Os meus olhos percorrem distâncias e a minha mente tenta vagar por todos os caminhos possíveis. "De onde estou já sei me virar". O mapa da cidade é o meu coração. Atravesso ruas e descubro rotas. Junto avenidas e assim o mundo vai diminuindo. Calculo o tempo exato para atravessar ruas. Decoro os ônibus e mesmo assim me perco. Tudo isso acontece em minha cabeça. Ainda estou aqui, sentada. "O que tem pra lá?" "Onde vai dar aquela rua?".
É uma selva de alumínio, e a gente se pendura como bichos pra não cair. De galho em galho encontramos algum destino e quando tem lugar vago, a gente senta. A gentileza anda ao lado da ignorância. De vez em quando aparecem aqueles que pedem. Sete da manhã e seis da tarde: todo mundo é sardinha. Sacrifício pra levar o pão pra casa e comprar o remédio do filho.
O rapaz do interior, o homem da construção, os estudantes, a secretária, a vendedora, eu e mil tipos humanos. Todo mundo cansado, uns lutam de verdade, outros só passam pelos caminhos sem saber quem são. Uns se deprimem com a situação, olham para a rua e desejam estar dentro de um carro. Uns sentem vergonha de estar ali, outros só querem chegar em casa sem grandes reclamações. Passam o dia engolindo sapos, matando leões, pensando em regimes, em sexo, nas coisas mais banais e depois querem só dormir. Muitos estudam, sonham. Outros já têm carro, mas estão no ônibus por que querem. Trivialidades, afinal.
São três da tarde e eu já imagino a situação das seis horas. Não tenho vergonha de estar aqui. Eu gosto disso, vejo as pessoas lá fora. Reconheço os perigos, mas sei que é preciso viver. Vejo rostos lá fora que não lembrarei minutos depois. Essa é a minha aventura, aventura urbana. Saio do lugar, mas não saio de mim.