Em cima da
mesa de cabeceira descansava deslumbrante uma flor psicodélica, do tamanho de
um hibisco, mas não era um. Era um mágico existir, a confirmação de que nunca
conheceremos os detalhes da vida. Há mistérios para toda espécie. A corola da
flor parecia revestida de aquarela, tons de turquesa e fúcsia misturavam-se sem
violência. Do receptáculo floriam carpelos e estames alaranjados, exatamente
como a natureza estabelece.
Não sem
espanto Renata a percebeu. Caso mostrasse para outras pessoas a absurdeza com
que a vida lhe presenteara, pensariam ser mais um de seus artesanatos. Era Ana
Amélia materializada, linda como sempre. Ana-louca. Amélia-atriz, aquariana. Ana
era espontânea, muito viva, provocativa, solar. Ana e Renata eram amigas de
longa data, amavam-se no silêncio da distância. A lembrança dela não causava
escoriações de saudade.
Uma memória
chamava outras, como se saíssem dos túneis da mente para celebrar alguma festa.
Lembrou-se também de Ana Rita, uma colega de trabalho, tão morna e silenciosa
quanto a flor arroxeada e meio murcha que dormia no balcão da cozinha. Sentiu
medo da festa de dentro, das flores não. Imaginou que se pensasse em Ana
Carolina provavelmente veria uma raflésia, ou algo parecido no sofá. E de fato
viu, mas dentro do banheiro.
É como se células
vegetais tivessem brotado dos ossos de todas as Anas do mundo e criado raízes
pelos corpos até transbordar em coisa viva. Renata sentia como se as flores fossem
a natureza sob seus calcanhares, desdenhando dos seus sentidos, em sagrada
visita. Um elefante no meio da sala traria mais certezas.
Na tentativa
de decifrar enigmas, listou quantas Anas conhecia. Tentava lembrar-se das suas
raízes escuras, dos seus maus afetos e de suas atitudes de amor e caridade. Percebeu
que vivia de epifanias, cultivava certa arrogância, mas nada que minasse o seu
caráter. Era contemplativa, sagaz, noturna e às vezes introvertida. De vez em
quando rendia bons frutos.
Ana Renata
questionou-se: “Que flor eu seria?” Sentiu calor nas entranhas. Ela que também
era Ana.
