segunda-feira, 8 de junho de 2020

Descobri que a amo



Clarice, descobri que a amo, do tanto que há nela e que há em mim. Não posso sê-la, nem em reencarnação. Comi-a e vomitei, comi outros pedaços até chorar. Há de ser a sua fôrma brilhante o caminho do meu nada. Há a sua narrativa em meus sonhos, como se fosse eu que estivesse falando, ou sua voz reverberando no meu oco.             
Por não sê-la revesti-me do seu riso. Compartilhamos o segredo de ter os olhos verdes e ninguém saber. Afora isso, não consigo capturar a sua narrativa e me despedaço inteira naquilo que não sei inventar ainda.                                                                                                                             
Fora ela a minha feliz desconhecida. De tudo o que imaginei nada soava como dentro dos livros. Esqueci-me da aflição analítica, estive entregue aos seus caprichos e vacilos. Estive com ela por uma semana inteira, todas as noites e madrugadas, até absorver o que tinha sido guardado para mim.                                                                                       
Tornei-me confusa com o tempo, com o reverso dos hábitos, quis roubar-lhe o que  não me cabe inteira. Apaixonei-me lentamente como quem percebe a queda e não consegue frear o impacto. Não posso trapacear com o destino.                                                                                            
Nunca menti tanto como agora, para onde estou indo além dos meus dedos? Que coisas mais me aborrecem, além do fato de que nunca mais serei a mesma? Ela foi a minha epifania, a minha hesitação e o meu dilúvio.                                                                                                           
Ela, que sempre esteve ali, a um passo da estante. Descobri que a amo.