Clarice,
descobri que a amo, do tanto que há nela e que há em mim. Não posso sê-la, nem
em reencarnação. Comi-a e vomitei, comi outros pedaços até chorar. Há de ser a sua
fôrma brilhante o caminho do meu nada. Há a sua narrativa em meus sonhos, como
se fosse eu que estivesse falando, ou sua voz reverberando no meu oco.
Por não sê-la
revesti-me do seu riso. Compartilhamos o segredo de ter os olhos verdes e
ninguém saber. Afora isso, não consigo capturar a sua narrativa e me despedaço
inteira naquilo que não sei inventar ainda.
Fora ela a
minha feliz desconhecida. De tudo o que imaginei nada soava como dentro dos
livros. Esqueci-me da aflição analítica, estive
entregue aos seus caprichos e vacilos. Estive com ela por uma semana inteira,
todas as noites e madrugadas, até absorver o que tinha sido guardado para mim.
Tornei-me
confusa com o tempo, com o reverso dos hábitos, quis roubar-lhe o que não me cabe inteira. Apaixonei-me lentamente
como quem percebe a queda e não consegue frear o impacto. Não posso trapacear
com o destino.
Nunca menti
tanto como agora, para onde estou indo além dos meus dedos? Que coisas mais me
aborrecem, além do fato de que nunca mais serei a mesma? Ela foi a minha
epifania, a minha hesitação e o meu dilúvio.
Ela, que
sempre esteve ali, a um passo da estante. Descobri que a amo.
