Para onde
fosse carregava uma lista de palavras. Catalogava as que considerava bonitas e
sonoras, buscava brechas para colocá-las em algum texto, descortinava
estruturas em busca de apocalipses literários. Queria arrebatar quem a lesse,
mergulhava em dicionários, lia e relia autores consagrados. Precisava
construir-se em alguma coisa.
Ficava à
espera de outras até os quadris doerem. Sentada, queria ser tocada por Hilda, Nélida, Clarice, Lygia ou Cora.
Enquanto as buscava procurava por si mesma, miúda, desconhecida, desimportante, responsiva, volitiva e açulada. Catava os pedaços das outras
para fazer uma caricatura leviana de si mesma.
Submetia
textos às custas de esperança. Faltava-lhe, segundo diziam, cinzelar ideias.
Anotou a palavra cin-ze-lar. Taí, gostei. Havia em sua escrita uma linguagem
literária mal trabalhada. Não tinha maturidade ainda para amarrar o nó da
narrativa.
Gostava dos
poetas que sabiam trabalhar com a simplicidade. Não precisavam de malabarismos
para dizer muito. Argutos, lindos. Invejava aqueles que brincavam com palavras
sedutoras, jogavam tudo numa massa frasal e vomitavam genialidade. Andava pelos
opostos, filtrava seus graus, queria mostrar erudição, mas soava brega.Tinha em mãos absinto, cosmos, flamejar,
iconoclasta, réquiem. Réquiem é lindo! O que fazer com o réquiem? A minha
própria missa? O funeral da minh’ alma desgastada? Rebordosas em seus
imaginares. Deitada elaborava pepitas que não conseguia extrair dos dedos.
Parecia uma
musicista em busca de notas. Fazia trocas e lia em voz alta, precisava daquilo
que soasse melhor. Das formas verbais fazia brinquedo, tinha sanha de ser
emblemática. Não se sabia lacônica, amiúde partejava ideias translúcidas e
talvez fizesse poemas dadaístas. A elaboração monolítica era armadilha para
alguns. Basta erguer a voz e comprovar os movimentos da língua em um falso
árabe.
Quantos
aforismos eram necessários para conquistar o mundo? Não poderia esquecer-se que
palavras bonitas não fazem literatura. Veria sóis furta-cores do alto de uma
montanha, aprenderia matemática, faria o necessário para usar todas as palavras
do seu catálogo. Ainda que nada fosse amarrado, ainda que permanecesse imatura,
ainda que não soubesse manusear o cinzel.
Faria com que os mais rigorosos apreciadores
lessem em farsi, fingiria sentidos, como quem forja enigmas. Seria capaz de se
esconder em labirintos para não mostrar a verdadeira face. Não queria
mostrá-la. Debaixo das cortinas agudas havia uma criança capaz de escrever
feliz sobre a aventura de andar de ônibus no centro da cidade. Isso lhe bastava. Deixem-na.
