Encostado em
um dos pilares que sustentavam o alpendre da casa sertaneja, observava a árida
paisagem e o arrebol que anunciava o fim do dia. Estava sozinho, à beira de si
mesmo. Seus irmãos moravam em outras casas, espalhados seridó afora. Entre uma
colheita e outra, o restante da família foi embora em velhice e mazelas.
O homem dormia
cedo e mais cedo ainda acordava. Gostava de abocanhar, numa só mordida, dia e
noite. Sonhou com um campo florido, sentiu-se livre. Acordou nas primeiras
horas da madrugada e deitou-se numa rede, envolto em azul-marinho, iluminado
por um candeeiro, estrelas e metade da lua. Ao longe, o vulto do pai, sempre
silencioso, em suas caminhadas noturnas. Adormeceu.
Viver era
aquilo e não viver também. O que seria depois da partida? Uma cópia de seus
ancestrais, silenciosos e sem propósito, rondando cômodos? Teve medo de tornar-se
uma assombração ancorada. Veria os seus descendentes e o passar de gerações, assistiria
às mudanças na paisagem e ao findar de eras. Não existiria mais casa, e talvez
os espíritos que lhe acompanham já não estivessem mais ali. Outros moradores
amariam sob sua cama, ou, tudo o que lhe é importante desmancharia em poeira.
Não sabia como
acharia os campos com que sonhara, não tinha rotas. Acordou de repente,
entendeu tudo o que precisava: tinha encontrado a sua botija. Pediu a bênção
para a sombra da avó, que rezava. Fez o sinal da cruz observando a antiga
imagem de Nossa Senhora na parede descascada. Apagou a vela do oratório e
arrumou as mudas de roupa. O mundo estava lilás, à espera da hora de
nascer. Justino chegou à porta e viu seu pai fumando num canto do alpendre. Depois
de alguns passos, olhou para trás, despediu-se da casa e recebeu um aceno.
Continuou caminhando para além do sonho, queria os campos. Precisava viver.